Wednesday, September 19, 2007

Ser...

Às vezes acordo e sinto o meu Corpo demasiadamente largo para a minha Alma. Como se ela flutuasse lá dentro sem fio que a prenda, sem nada que a agarre...

Então anda por ali, perdida e oprimida num corpo com nome que se movimenta automaticamente.Os gestos repetidos dia após dia.

E ela castiga-o (a Alma é mulher ): tenta escapar, olhar para ele de longe e ridicularizá-lo. "Que coisa tão obscena que és!" diria ela. "Olha só para ti, cheio de carne, nervos, sangue... Vou fugir ouviste?!Vou desassociar-me de ti, ó matéria ignóbil! Estás a ouvir?!"

O Corpo, esvaziado mira-la-ia com olhos baços, sem emoção e não responderia.

Perante o seu Silêncio a Alma afastar-se-ia. Perder-se-ia no etéreo.

Não muito tempo depois começaria a definhar. Faltar-lhe-ia ver, ouvir,cheirar,saborear,tocar... É algo por si, mas não é tudo. Quer sentir e fazer-se grande, cescer muito e mais.

Com mãos de nada acaricia o Corpo e diz condescendente: "Tens feito um bom tabalho,tu,até aqui...Agora vá! Beija-o que eu quero ajustar-me a ti..."

Com os olhos brilhantes e sorridentes ele avança. E sente.

O verbo

Rasga-me por favor!
Rasga-me e tira de mim este sangue que corre sem ordem, sem permissão!
Rasga-me e faz de mim um corpo sem vontade, sem emoção, faz-me nada!
Rasga-me e tira-me a laringe porque tenho choro lá preso!
Faz das minhas palavras música .Porque o som não tem limitações!
SINTO-ME UMA PALAVRA!

Limitada, sem emoção, dormente, sem surpresas, nem vontade...

Mas a mente dilui-se. Mistura obrigações, vontades, necessidades, futilidades. Dilui-se e eu tenho medo do vazio.

Sentir...

Vento, chuva, sons,clarões.

E eu lá fora encharcada.Parada.Esmagada.

Cheiro, oiço, deslizo com a água por entre as pedras da calçada e vou parar a uns pés desconhecidos que pertencem a alguém que reclama dias mais luminosos e suaves.

- Estúpido...- digo eu numa voz escorrida. Não me tires estes dias violentos que me enchem!

Enchem-me de revolta e de sentidos.

São dias que me tocam com paixão para de seguida me arrebatarem...

Sugo a energia furiosa dos transeuntes, mais fluida com a água.

Paro de novo.

Viro o rosto desmparado para o céu revoltado.

O queres, Tu, que pelos Teus maléficos mecanismos me fizeste?

Tu que apenas me criaste para ser mais um átomo do Teu ser egoísta. Mais um terminamento nervoso para sentires!

E de tanto me fazeres sentir, adormeci a executar o meu papel neste mundo...

Sinto a chuva....

Encharcada deslizo pelas pedras da calçada...